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Num momento em que o espaço público é inundado com notícias do mundo do futebol, nomeadamente, com revelações sobre os negócios de transferências e respetivas comissões dos intermediários, valerá a pena refletir sobre qual o papel que estes últimos desempenham no futebol.

Se, em outras modalidades desportivas, estes “terceiros homens”[1] atuam como representantes de um atleta, acautelando os seus interesses e promovendo a valorização da suas carreiras, no futebol essa função não parece ser tão inequívoca.

O conceito de intermediário – introduzido pela FIFA no Regulations on Working with Intermediaries, de 2014 – estabelece uma atuação mais de mediação, figurando o “terceiro homem” como um conciliador, que pode até representar na mesma negociação as duas ou mais partes envolvidas nesta.

Desta forma, o que antes era um papel de defesa dos interesses do futebolista – melhores condições salariais, mais garantias de valorização desportiva, etc. – hoje é uma tentativa de encontrar esses interesses com os do clube[2] interessado na contratação do atleta, sendo que este pretenderá obter a contratação do atleta por um custo salarial o mais baixo possível. Esta postura, mais de mediação e conciliação, podendo comprometer a defesa intransigente e absoluta de uma das partes, facilita o negócio e a concretização de uma transferência, algo que, na maioria dos casos, é do interesse quer do atleta, quer do clube.

Em Portugal, esta dupla representação é proibida pela Lei 28/98, de 26 de junho. Com efeito, dispõe-se no seu artigo 22.º, n.º 2, que “A pessoa que exerça a actividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual”. Mais recentemente, no “Regulamento de Intermediários”, aprovado em 2015, a Federação Portuguesa de Futebol veio estatuir no artigo 5.º, n.º 3, que, ao contrário do que é permitido pela FIFA, «O Intermediário apenas pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual».

Hoje, em consequência da obrigação de divulgação pública de um relatório[3] das transferências de atletas com intervenção de intermediários, bem como dos valores envolvidos e de quem representaram, podemos aceder aos dados concretos sobre as transferências em Portugal na época desportiva 2015/16. Assim:

1) Das 101 transações registadas neste relatório anual, apenas 9 declaram o atleta como tendo sido o cliente do intermediário, sendo que, nas restantes 92 negociações o cliente do intermediário foi o clube;

2) Os intermediários receberam, pelos seus serviços declarados como de intermediação, um total de € 26.421.911,80 de comissões pagas por clubes e um total de € 65.800,00 pagos pelos nove jogadores que foram declarados como clientes;

3) Se calcularmos o valor médio pago a título de comissão, por atletas e por clubes, concluímos que quando o cliente foi o clube a comissão média foi de € 287.194,69, enquanto que quando foi o atleta o cliente do intermediário, a comissão média foi de € 7.311,11.

Assim, não restarão dúvidas sobre o porquê de na esmagadora maioria dos negócios ser declarado o clube como cliente do intermediário. A diferença de valores é estonteante, por um trabalho que, à partida, não será assim tão diferente.

Digno de reflexão deverá também ser esta divulgação pública dos valores que a “classe” auferiu em comissões durante uma época desportiva.

Por que razão apenas os intermediários têm esta obrigação de apresentação de contas perante as instâncias do futebol? Não deveriam também os dirigentes apresentar os rendimentos provenientes do futebol às instituições que o regem?

E por que razão estes valores (mesmo que apresentados como total acumulado por todos os intermediários), bem como os profissionais envolvidos, são alvo de divulgação pública?

Apesar de existirem muitas nuvens cinzentas no desporto e no futebol em particular, a verdade é que não faz sentido isolar uma categoria de profissionais, divulgando dados pessoais e sensíveis, apenas destes e de mais nenhum dos envolvidos no fenómeno desportivo.

Luís Filipe Silva  – Advogado-Estagiário

 

[1] Designação sublimemente usada por João Leal Amado, para se referir aos empresários/agentes/intermediários no desporto, in Vinculação versus Liberdade, O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra Editora, 2002, pág. 489 e segs.

[2] Por razões de simplicidade e por este não ser o tema da presente análise, iremos nos referir à entidades empregadoras como clubes de futebol, sabendo que hoje, não apenas clubes, como Sociedade Anónimas Desportivas ou Sociedades Unipessoais por Quotas, podem contratar atletas de futebol, até em resultado do Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de janeiro, que obriga os clubes que queiram participar em competições profissionais a formarem Sociedades Desportivas.

[3] O relatório dos quais estes dados foram retirados é publicado anualmente no site da FPF, estando disponível para consulta através do link “https://org.fpf.pt/pt-pt/Institucional/Intermediarios”, na opção “Intermediários – Lista das transações e comissões”.