Em recente Acórdão, o TCA Sul decidiu que as faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas integrados no regime de protecção social convergente, ainda que superiores a 30 dias, não determinam quaisquer efeitos sobre o direito a férias. Estará, porém, com essa interpretação, salvaguardada a igualdade entre os trabalhadores integrados no regime da protecção social convergente e os trabalhadores integrados no regime geral da segurança social?

Paulo, trabalhador em funções públicas integrado no regime da protecção social convergente, acometido de doença, falta, por esse motivo, ao serviço, em situação de baixa médica, no período compreendido entre 20 de Outubro de 2016 e 20 de Fevereiro de 2017.

Justamente no mesmo período, Saulo, trabalhador em funções públicas, mas integrado no Regime Geral de Segurança Social, falta, igualmente, ao serviço por motivo de doença.

Uma vez ao serviço, restabelecidos ambos das doenças de que padeciam, Paulo e Saulo pretendem saber qual o impacto do período de ausência ao serviço – superior a um mês – no respectivo direito a férias.

Dir-se-ia à partida que os direitos de Paulo e Saulo são iguais. Na verdade, ambos trabalham para entidades integradas na Administração Pública e ambos têm um vínculo de emprego público. Difere apenas, como se viu, o regime de protecção social, não mercê das funções exercidas, mas unicamente porque Saulo constituiu relação jurídica de emprego público após 31 de Dezembro de 2005, ficando, por isso, afastado do regime da protecção social convergente.

Sucede que, em recente acórdão1, o Tribunal Central Administrativo Sul veio sustentar que as faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas integrados no regime de protecção social convergente, ainda que superiores a 30 dias, não determinam quaisquer efeitos sobre o direito a férias.

Funda-se este entendimento, em consonância com aquilo que já vinha sendo defendido por alguma doutrina, na circunstância de o artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, estabelecer, expressamente, que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afecta qualquer direito do trabalhador, salvo no que concerne a remuneração, antiguidade e subsídio de refeição. Ou seja, se a lei diz que as faltas por doença apenas têm a virtualidade de bulir com esses direitos, e se nada refere quanto ao direito a férias, então é porque o legislador pretendeu manter este último intocado.

Neste sentido aponta também, segundo o TCA Sul, o facto de o n.º 6 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014 estipular que as faltas por doença podem ultrapassar 30 dias seguidos, daí se inferindo, portanto, que o vínculo de emprego público do trabalhador integrado no regime da protecção social convergente não se suspende nos termos do artigo 278.º, n.º 1, da Lei Geral do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e que, consequentemente, não se aplica o disposto nos artigos 129.º e 127.º desse mesmo diploma, referentes aos efeitos dessa suspensão no direito a férias.

Assim, à luz deste entendimento, Paulo, do regime da protecção social convergente, não viu o seu contrato em funções públicas suspenso em virtude do impedimento prologado, razão pela qual, no ano de 2017, tem direito às férias vencidas no dia 1 de Janeiro de 2017, ou seja, a 22 dias úteis (às quais que acresce um dia em função da antiguidade) que pode gozar quando lhe aprouver, dentro dos limites legais, bastando-lhe, para tanto, a anuência da entidade empregadora.

Já Saulo, do regime geral da segurança social, por ter faltado ao serviço por período superior a 30 dias, viu o seu contrato suspenso e, mercê dessa suspensão, não viu vencer-se o direito a férias no dia 1 de Janeiro de 2017. Assim, regressado ao serviço, terá direito a dois dias de férias por cada mês completo de serviço prestado no ano de 2017. Ou seja, Saulo, poderá gozar, no limite, no ano de 2017, 20 dias úteis de férias.

Se é certo que a lei estabelece, expressamente, para os trabalhadores integrados no regime da protecção social convergente, quais os efeitos das faltas por motivo de doença (não incluindo aí qualquer repercussão no direito a férias), certo é também que está consagrado entre nós, enquanto princípio estruturante do Estado de Direito, o Princípio da Igualdade, do que decorre que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

Ora, a questão é que não se vislumbra um único fundamento razoável, perceptível e inteligível que justifique a apontada diferença de tratamento entre os trabalhadores em funções públicas integrados no regime da protecção social convergente e os trabalhadores em funções públicas integrados no regime geral da segurança social. Não a justifica a diferença de vínculo, porque não a há; não a justifica a natureza jurídica das entidades empregadoras, porque mesmo que fosse distinta, seria igual, para este efeito, o regime laboral aplicável; não a justifica, muito menos, o facto de uns terem constituído o vínculo antes de 31 de Dezembro de 2005 e os outros depois dessa data. Aliás, basta ver, nesse sentido, que no regime anterior à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas os trabalhadores do regime da protecção social convergente tinham, nestas situações, exactamente os mesmos efeitos sobre o direito a férias que recaíam sobre os demais trabalhadores.

Será, pois, Saulo igual a Paulo?

1 Acórdão de 20.10.2016, proferido no processo n.º 13317/16, disponível em www.dgsi.pt