O regime das responsabilidades parentais, reguladas no Código Civil, sofreu alterações ao longo dos tempos. A título meramente exemplificativo, se num primeiro momento falávamos em “poder paternal”, desde a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro que começámos a usar a nomenclatura de “responsabilidades parentais”. Tal alteração justificou-se, na altura, com a ideia de que aquela expressão se mostrava pouco adequada a refletir a realidade jurídica subjacente e a exprimir a natureza e conteúdo dos direitos a si inerentes1.

Porém, incumbe-nos questionar: o que se entende por responsabilidades parentais? Tal conceito poder-se-á interpretar como sendo “o conjunto dos poderes e deveres destinados a assegurar o bem estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da sua pessoa, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens2.

Tecidas estas considerações introdutórios ao tema, centremos atenções no art.º 1901.º e seguintes do Código Civil. A subsecção IV, epigrafada sobre a designação de “exercício das responsabilidades parentais” especifica, precisamente, a prática daquelas, quer na constância do matrimónio, quer em casos de divórcio, de separação judicial de pessoas e bens, bem como em casos de nulidade ou anulação do casamento. Posteriormente, o art.º 1909.º do Código Civil menciona que as disposições aplicáveis naquele leque de circunstância, as já aqui referidas, também o são nos casos de separação de facto.

Dúvidas não sobejam que a lei atribui a ambos os progenitores, salvo raras exceções, o exercício das responsabilidades parentais. Porém, em casos de divórcio, de separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento e, até mesmo, em casos de dissolução da união de facto – e aqui já é uma evidência nossa, não

decorrendo a ideia expressamente da lei – o exercício das responsabilidades parentais, relativo a filhos menores, tem de ser regulado e decidido entre os progenitores. Acontece que, e não são raras as vezes onde a questão se coloca, os pais, entre si, não conseguem alcançar um acordo onde fixem o exercício das responsabilidades parentais, sendo necessário o recurso ao tribunal para o efeito. Neste conjunto de situações, não existindo assentimento quanto à matéria, é perfeitamente compreensível a necessidade de recurso à via judicial, por forma a que o Juiz, com a concordância do Ministério Público, decida aquilo que devia caber aos pais decidir, sempre tendo em conta o superior interesse da criança.

Acontece, porém, que, felizmente, existem situações onde os progenitores, mesmo enfrentando estes um processo de divórcio ou de separação, conseguem fixar, entre si, o exercício das responsabilidades parentais, sendo apenas necessário que o acordo seja homologado pelo Ministério Público3.

Nos casos de divórcio por mútuo consentimento, os cônjuges, caso ainda não o tenham feito, regulam o exercício das responsabilidades parentais na Conservatória do Registo Civil, por ser lá que decorre(u) o desenvolto da dissolução do seu casamento. É certo, porém, que este acordo necessita de ser homologado pelo Ministério Público mas os seus alicerces partem dos progenitores. Acontece que se posteriormente à fixação deste acordo os pais quiserem alterar, ainda que seja por vontade de ambos, o que ficou regulado, têm de recorrer ao Tribunal, por forma a obterem uma sentença que homologue as alterações por aqueles propostas4.

Ora, no passado dia 2 de Março, foi publicada a Lei n.º 5/2017 que pretende disciplinar o regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil. Consequentemente, a lei, que só entrará em vigor no dia 1 de Abril de 2017, altera o Código Civil, nos seus artigos 1909.º, 1911.º e 1912.º, e faz um aditamento – o art.º 274.º – A, o art.º 274.º – B e o art.º 274.º C – ao Código do Registo Civil.

No art.º 1.º, a Lei 5/2017 define o seu objeto, centrando-se este no “(…) regime das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil, em caso de separação de facto e de dissolução de união de facto(…)“.

Pelo que decorre diretamente da letra da lei, facilmente conseguimos perceber que, naqueles casos, quer a regulação, desde o início dos seus termos, quer, posteriormente, uma possível alteração ao acordo previamente fixado, de regulação das responsabilidades parentais, podem correr os seus termos na Conservatória do Registo Civil. Porém, em casos de divórcio por mútuo consentimento que tenham corrido termos em qualquer Conservatória, cremos que existe na lei uma omissão. Pois, estas situações não estão expressamente elencadas no objeto da Lei n.º 5/2017, de 2 de Março. Contudo, e apesar desta omissão, acreditamos que também nestes casos, quando se pretenda fazer uma alteração ao acordo, tal poderá ser concretizado na Conservatória do Registo Civil. Se assim não fosse, ficaríamos perante uma manifesta situação de violação do princípio da igualdade uma vez que seriam tratadas de forma diferente situações semelhantes.

No fundo, com esta alteração legislativa passará a ser permitido que a regulação e/ou alteração das responsabilidades parentais se efetue na Conservatória do Registo Civil, ao invés do que acontece hoje, essencialmente, nos casos de alteração, ainda que seja por mútuo acordo.

Por fim, a alteração preconizada no sistema jurídico com esta lei parece que pretendeu desocupar um tribunal de natureza especializada, uma vez que é (era) no Tribunal de Família e Menores que estes tipo de processos desenvolvem os seus termos5. Por fim, com esta nova lei, não é necessária a presença de um Advogado, junto das Conservatórias, bastando, para o legislador, a comparência dos progenitores ou de um procurador.

Perante o exposto questiona-se: ficará, assim, o superior interesse da criança devidamente acautelado?

1 Esta noção traduz melhor a ideia de que os pais, em pé de igualdade e em concertação com o filho menor, se encontram investidos de uma missão de prossecução dos interesses deste, sendo ambos responsáveis e implicados pelo seu bem-estar e, exercendo, para tanto, poderes legalmente conferidos.

2 Este conceito de responsabilidades parentais é fortemente inspirado no conceito resultante da Recomendação n.º R (84) sobre as Responsabilidades Parentais de 28 de fevereiro de 1984, aprovada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa.

3 A Lei 61/2008, de 31 de Outubro, na sequência das alterações que propugnou no ordenamento jurídico português, veio permitir que os divórcios, por mútuo consentimento, corressem os seus termos nas conservatórias do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges e mediante a apresentação dos documentos mencionados nas várias alíneas do n.º 1, do art.º 1775.º do Código Civil. Entre estes documentos está contemplado o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha, previamente, havido regulação judicial.

4 A título meramente exemplificativo, imaginemos a seguinte situação: um casal decidiu divorciar-se por mútuo consentimento. Este casal tem um filho menor. Ora, o acordo relativo às responsabilidades parentais é apresentado na Conservatória do Registo Civil, juntamente com o requerimento de divórcio. É certo que tal acordo tem de passar pelo Ministério Público para ser analisado e, só posteriormente, ser homologado, ou seja, ter efeito definitivo. Agora ficcionemos: após este processo, o ex-cônjuges pretendem, de mútuo acordo, alterar o valor fixado na pensão de alimentos. Nesta situação, a alteração já não poderá ser requerida na Conservatória do Registo Civil, tendo de o ser, ao invés, no Tribunal, nos termos do previsto no art.º 42.º do Regime Tutelar Cível.

5 A este propósito, vide art.º 123.º, n.º 1, alínea d).