A obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) cessa desde o momento em que o jovem atinge a maioridade? Análise da questão à luz da jurisprudência dos tribunais portuguesas e das alterações introduzidas no ordenamento jurídico português pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro.

A Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro, que entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 2015, veio esclarecer vários aspetos referentes à questão dos alimentos devidos aos filhos maiores. Tal necessidade de clarificação adveio do facto de os nossos tribunais apresentarem soluções diferentes, quando colocados perante a contenda de saber se a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade, se mantinha mesmo após atingida a maioridade e enquanto o jovem não completasse a sua formação académica. Tal alteração legislativa culminou com o aditamento de um novo n.º 2, ao art.º 1905 do Código Civil, bem como com uma alteração ao Código de Processo Civil, quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados.

Ora, com a entrada em vigor da referida lei, tal problemática ficou absolutamente vazia de sentido, uma vez que se tornou claro que a obrigação de pagamento da pensão se mantém mesmo após a maioridade do filho e até que este perfaça 25 anos de idade1. Contudo, não será assim, por exemplo, nos casos em que o jovem tenha desistido, voluntariamente, dos estudos ou formação profissional ou, por outro lado, nos casos em que não seja minimamente razoável impor ao progenitor (quer seja o pai, quer seja a mãe) o cumprimento de tal obrigação.

A Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, prévia a todas estas questões, instituiu o FGADM, dando assim expressão prática à intenção programática fixada na Constituição da República Portuguesa. Do n.º 1 desta lei, bem como do n.º 3 do decreto que a regulamentou (Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio) sobressaía que a função primária do FGADM consistia em suprir as necessidades do menor, quando não fosse possível obter alimentos da pessoa judicialmente obrigada a tal.

Sumariamente, no que ao FGADM diz respeito, sempre elucidaremos que a sua obrigação só surge quando o progenitor que esteja previamente obrigado, por decisão judicial ou equivalente, à prestação de alimentos não a consiga satisfazer. Será de notar que o FGADM não garante uma prestação autónoma, garantindo, ao invés, uma prestação substitutiva do progenitor/devedor originário. E, por este motivo, cessa a prestação a cargo do FGADM a partir do momento em que o obrigado a alimentos inicie o pagamento das prestações.

Perante isto, a questão que aqui se coloca é a de percebermos se a obrigação do FGADM se prolonga/mantém, ou não, pela verificação da maioridade do jovem.

Neste conspecto, imaginemos a seguinte situação: no âmbito de um processo de regulação das responsabilidades parentais – ficcione-se – um dos progenitores ficou, judicialmente, adstrito ao pagamento de um determinado valor mensal, a título de pensão de alimentos, ao filho menor. Este progenitor satisfaz a obrigação. Após a maioridade do filho, a obrigação que foi constituída na sua menoridade mantém-se – automaticamente e sem necessidade de qualquer recurso aos meios judiciais2 .

No cenário descrito, se o progenitor não tivesse satisfeito a obrigação a que estava judicialmente obrigado na menoridade do filho, o FGADM interviria no pagamento da referida prestação mensal, substituindo-se, assim, ao progenitor.

Acontece, porém, que os nossos tribunais têm entendido que a obrigação do FGADM cessa, desde o momento em que o jovem atingir a maioridade3. Ora, quer isto dizer que a obrigação do FGADM relativa aos chamados “alimentos educacionais” – ou seja, os previstos no art.º 1879.º e 1800.º do Código Civil – finda no momento em que o jovem atingir os 18 anos de idade.

Assim, fica esclarecida a questão de que após aquela idade não existe o direito fundamental de uma prestação positiva quanto aos “alimentos educacionais” para os jovens até aos 25 anos, mais precisamente através de uma extensão ou manutenção automática da prestação fixada a cargo do FGADM.

Contudo, isto não se traduz numa desproteção automática e total do Estado para os jovens maiores de idade que se encontrem a completar a sua formação académica/profissional e que enfrentem uma situação de carência económica, pois tem-se entendido que o Estado dispõe de outros instrumentos capazes de assegurar o direito de acesso ao ensino e à cultura. Estes instrumentos materializam-se na atribuição de subsídios escolares de auxilio económico, transportes, alimentação, bolsas de estudo. Todas estas medidas encontram-se alicerçadas no Decreto-Lei n.º 55/2009, de 2 de Março, que estabelece o regime jurídico aplicável à atribuição e ao funcionamento dos apoios no âmbito da ação social escolar.

Sara Palminhas

Advogada-Estagiária VC&M-Advogados

1 A redação conferida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro ao n.º 2, do art.º 1905 do Código Civil é a seguinte: “(…) entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência“.

2 Em bom rigor, a alteração introduzida no ordenamento jurídico pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro traduziu-se, essencialmente, na desnecessidade de propositura de uma ação por parte do filho maior em formação, por forma a continuar a receber a pensão de alimentos. Assim, não é ao filho maior/emancipado que cabe peticionar a continuidade da prestação da obrigação, sendo, ao invés, ao progenitor que cabe o ónus de, querendo, a fazer cessar, demonstrando, para o efeito, uma de três condições previstas na lei.

3 A título meramente exemplificativo, leia-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-11-2011, Proc. n.º 21/1995, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 8-5-2014, Proc. n.º 87-A/1995, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-09-2016, Proc. n.º 106/03 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-11-2016, Proc. n.º 962/14.0.