A presença do administrador independente no órgão de administração das sociedades anónimas tem sido alvo de alguma atenção nos anos recentes, muito pela influência de recomendações internacionais que abordam a bom governo das sociedades. Em Portugal, desde a seu surgimento no início do século XXI, muitas têm sido as questões que se têm levantado em torno desta figura. Referimos algumas anotações principais no presente comentário.

A independência dos membros dos órgãos da sociedade foi introduzida no nosso ordenamento jurídico em 2006 através da reforma do Código das Sociedades Comerciais (CSC) no âmbito do regime dos membros do órgão de fiscalização (cf. art. 414º – A do CSC).

No que toca aos membros dos órgãos de administração, não é o CSC que prevê a independência dos administradores, mas sim as Recomendações de instituições como a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários – CMVM – ou do Instituto Português de Corporate Governance – IPCG. Desta forma, embora a independência não seja uma verdadeira figura vinculativa no governo das sociedades anónimas portuguesas, a verdade é que para as sociedades cotadas ela assume um carácter quase obrigatório, na medida em que estas são obrigadas a explicar os motivos pela não adopção destas (e de outras) recomendações.

Ora, a Recomendação III.3 do Código de Governo das Sociedades do IPCG aconselha (prevê) um número adequado de administradores não executivos, mas sempre um número plural que cumpram os critérios de independência legislativos no seio do conselho de administração. Seguidamente refere que para efeitos da recomendação entende-se como independente o administrador que não mantenha, nem tenha mantido nos últimos 3 anos, quaisquer laços profissionais ou laborais com a sociedade ou com outra em relação de domínio ou de grupo. Estas ligações estendem-se ao cônjuge do administrador e/ou a parente ou afim na linha recta até ao 3º grau. Mais, entendem não ser independente o administrador que detenha participações qualificadas da sociedade, ou seja representante de alguém nessas condições.1

Quanto à CMVM, é a Recomendação II.1.7 do Código de Governo de Sociedades que trata desta matéria. Aproxima-se bastante da recomendação prevista no Código do IPCG, mas existe uma grande diferença. A CMVM foi clara na divisão de conceito de independência, referindo especificamente que o conceito de independência previsto no CSC (art. 414º – A do CSC) se refere exclusivamente aos órgãos de fiscalização das sociedades anónimas, não sendo aplicável aos membros dos conselho de administração. Quanto aos critérios de independência dos administradores das sociedades anónimas estes revelam-se muito próximos daqueles que referimos anteriormente quanto ao Código do IPCG.2

Preferimos a recomendação apresentada pela CMVM. Não deve nem pode restar qualquer dúvida de que o conceito de independência previsto na legislação societária (art. 415º CSC) apenas se aplica aos membros dos órgãos de fiscalização. Os administradores das sociedades anónimas são por natureza diferentes dos que se integram no conselho fiscal, comissão de auditoria ou conselho geral e de supervisão – têm funções distintas, pois aqueles não assumem funções de fiscalização, mas sim de administração.

Contudo, ambos os conceitos levantam algumas dúvidas e merecem ainda ser esclarecidos e melhorados:

  • Porque é que se considera que só os administradores não executivos se devem vestir de características de independência?

  • O que é que deve ser entendido como um número adequado de administradores independentes?

  • Porque é que apenas se consideram critérios de independência que se prendem com relações profissionais e laborais e familiares ou que se prendem com a posse de participações qualificadas da sociedade ou de outra em relação de domínio ou de grupo? E as relações de amizade e conhecimento?

  • Aliás, o facto de os administradores se integrarem num grupo (Conselho de Administração) e por isso correram o risco de influencias de dentro desse mesmo grupo (entenda-se dos que não são independentes) não prejudica a sua independência?

  • E a possibilidade de reeleição dos administradores? Não potenciará também a possível rotura das características de independência?3

Concluímos que ainda há ainda muito que clarificar sobre a figura do administrador independente no direito societário, não só quanto ao próprio conceito de independência, como também no que toca às funções destes ditos administradores independentes.

1 Código de Governo das Sociedades do IPCG disponível para consulta através do web link https://www.cgov.pt/ficheiros/Codigo_maio_2016_versao_para_consulta_VF.pdf.

2 Código de Governo das Sociedades do IPCG disponível através do web link https://www.cmvm.pt/pt/Legislacao/Legislacaonacional/Recomendacoes/Documents/C%C3%B3digo%20de%20Governo%20das%20Sociedades%202013.pdf. Ressalva-se que tanto o Código emitido pela CMVM em 2013 e o Código emitido pelo Instituto Português de Corporate Governance ainda se encontram em vigor. Porém, durante este ano, e de acordo com o comunicado emitido pela CMVM no dia 16 de Março de 2016, as recomendações por si emitidas deixarão de estar em vigor e passará a aplicar-se um Código de Corporate Governance emitido pelo Instituto Português de Corporate Governance.

3 Questões que levantamos e às quais tentamos dar resposta na nossa tese, O Administrador Independente: Conceito é Função de Independência nas Sociedades Anónimas, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais sob orientação do Professor Doutor Jorge Coutinho de Abreu, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 2013.